Introdução:
Com o avanço da colheita mecanizada da cana-de-açúcar, devemos tratar de uma nova maneira toda essa biomassa, pois o potencial energético que ela possui é enorme.
Não apenas a cana-de-açúcar, mas toda a biomassa responsável pela geração de energia elétrica e térmica – bagaço e palhiço – passaram a ser de fundamental importância aos novos projetos e também nas ampliações das plantas já existentes.
Este artigo descreve as premissas adotas para a utilização da biomassa citada, tendo como objetivo esclarecer e ilustrar o caminho adotado que originou todo o sistema biomassa x energia.
1. Terminologia:
A terminologia adotada a seguir é de uso corrente no setor sucroalcooleiro e foi adaptada do livro “Biomassa de Cana-de-Açúcar – Colheita, Energia e Ambiente” – Prof. Caetano Rípoli, ESALQ – USP – Piracicaba – SP.
- Matéria prima – todo o material proveniente dos canaviais que é trazido até a Usina para processamento industrial. Constituído de colmos (ou suas frações), brotos dos colmos, colmos deteriorados, restos de culturas e/ou plantas daninhas, folhas, palhas, ponteiros e raízes da cultura e material mineral (terra e pedras).
Obs. quando se trata do processamento industrial, o termo cana-de-açúcar vem a ser genérico e em trabalhos técnicos deve ser evitado. Caso seja utilizado devemos compreender como “matéria prima”.
- Colmo Industrializável – parte aérea da planta cana-de-açúcar, adequadamente despalhada e despontada e em condições adequadas de sanidade para processamento industrial.
- Palha – parte aérea da planta cana-de-açúcar compreendida pelas folhas que já não participam do metabolismo da planta estando em processo de secagem e descarte (desfolhamento). Características principais: quebradiças e com cor escura.
- Palhiço – material constituído de folhas verdes, palhas, ponteiros, eventualmente raízes e partículas de terra aderidas ao palhiço. É a matéria prima sem os colmos.
- Palmito (ponteiro) – parte apical do colmo industrializável da cana constituído de internódios em formação, recobertos pelas bainhas das folhas.
- Índice de palhiço (IP) – é a relação percentual na unidade de massa existente em um canavial, entre a quantidade de palhiço e a quantidade de colmos industrializáveis.
- Folhas verdes – parte aérea da cana-de-açúcar constituída das folhas que participam do metabolismo fotossintético da planta. Característica principal: cor verde.
- Rejeito – material separado durante a limpeza da matéria prima na Usina, constituído de resíduos do palhiço e matéria mineral. Devolvido à lavoura após pesagem.
- Rebolo – fração de colmos decorrentes da colheita mecanizada, por colhedoras de cana picada, de tamanho variável entre 15 cm a 25 cm. Erroneamente denominado de “toletes” na região centro-sul.
- Matéria Mineral – compreende a fração não orgânica contida na matéria prima e insolúvel em água – é comumente denominada de terra e constituída de argila, areia, pedras.
- Fibra Industrial – todo material existente na matéria prima que é insolúvel em água. É tudo que não é água e sólidos solúveis. Portanto a matéria mineral também é contabilizada como fibra industrial.
Obs.: pequena parte da matéria mineral é solúvel em água. A quantidade é insignificante e será desprezada nos cálculos a seguir.
- Brix – porcentagem em peso dos sólidos solúveis contidos no caldo da cana – é a sacarose, os açúcares redutores e os sais solúveis.
Obs.: O termo palha não deve ser utilizado e sim palhiço.
2. Sistemas de recolhimento do palhiço na lavoura:
Até o presente momento, foram desenvolvidos três sistemas de recolhimento do palhiço:
a. Integral – o palhiço vem para a Usina junto com os rebolos de cana (colmos cortados) – não há separação no campo do palhiço;
b. Fardos – o palhiço é separado dos rebolos e colocado no solo. Enfardadeiras desenvolvidas para esta finalidade enfardam o palhiço em “rolos” de 1,0 m a 1,5 m de diâmetro que, após o enfardamento, são enfileirados e recolhidos posteriormente;
c. A granel – as colheitadeiras separam os rebolos do palhiço, deixando-os no solo, sendo recolhidos posteriormente por máquinas desenvolvidas para este fim e colocados a granel nas caçambas. Pode também ser colocado diretamente na caçamba dos caminhões que se movimentam em paralelo ao lado do transbordo.
Obs.: O sistema que vem dando melhores resultados é o tipo a (integral) sendo o preferido pelas Usinas.
3. Quantidade de Palhiço e Colmos Industrializáveis:
Palhiço:
A quantidade de palhiço existente em um canavial varia com: variedade plantada, idade do canavial, rendimento agrícola, época de corte, etc.
O Professor Caetano Ripoli, no livro anteriormente citado, menciona diversos estudos de experimentos executados pelo mesmo e também por outros técnicos.
Estudando três variedades de cana, Ripoli et al (pag. 67) concluíram que a quantidade de palhiço varia de 17% a 31% em relação a quantidade de colmos industrializáveis contidos no canavial.
O mesmo autor, em experimentos com cana colhida mecanicamente sem queima prévia, encontrou massa de palhiço em matéria úmida de 33,84 t/ha, o que dá um IC (índice de palhiço) de 32% e umidade de 24,1% (pg. 71).
Considerando-se 17% a 31% de palhiço em relação à quantidade de colmos, teremos:
1,0 t cana tem de 170 a 310 t de palhiço
– No rendimento agrícola de 80 t/ha, podemos afirmar que em um hectare há de 13,6 t a 24,8 t de palhiço em matéria úmida (m.u.).
– Com uma umidade de 35% em matéria seca (m.s.) teremos em um hectare de 5,0 t a 9,0 t de palhiço.
Em relação à ton de cana produzida – colmos industrializáveis – teremos:
– Valores mínimos = 170 kg/TC de palhiço em m.u e 59,5 kg/TC em m.s.
– Valores máximos – em matéria úmida = 310 kg/TC de palhiço e em m.s = 108,5 kg/TC.
Colmos Industrializáveis:
No Estado de São Paulo, o teor de fibra deste componente varia de 12 a 14%. Normalmente se utiliza nos cálculos o valor de 12%.
4. Palhiço para a geração de eletricidade na Usina
As usinas que colhem a cana mecanicamente e não têm interesse no palhiço procuram eliminar ao máximo este componente vegetal da matéria prima, pois neste caso é tido como matéria estranha e irá causar impactos negativos ao transporte e processamento industrial. Essas usinas tem instalado o sistema de limpeza a seco da cana na área industrial, onde através de jatos de ar se procura separar ao máximo o palhiço e a matéria mineral da cana, que são devolvidos à lavoura.
A situação é bem diferente nas usinas que estão utilizando o palhiço para a geração de energia elétrica em queima nas caldeiras de alta pressão. Neste caso o palhiço não mais pode ser considerado matéria estranha, pois passa a ter valor comercial.
Em um Projeto recentemente entregue por nossa empresa, foi prevista a utilização do palhiço, com a implantação do sistema de separação do palhiço e limpeza da cana a seco – limpeza através de jatos de ar e peneiras rotativas.
5. Separação do Palhiço e Limpeza do Palhiço e da Cana
Nas condições atuais não é possível o processamento da matéria prima com teores de palhiço acima de 30% em relação aos colmos industrializáveis. Os equipamentos existentes não são projetados para atender tais condições.
As plantas novas vêm sendo projetadas para atender a condição de palhiço até 30%.
Na lavoura o principal fator negativo é a baixa densidade de carga, o que aumenta o custo do transporte.
Na área industrial das Usinas existentes, as dificuldades são maiores e os principais problemas são:
- Redução da capacidade de moagem;
- Maior consumo de potência nos picadores e desfibradores;
- Dificuldades no processo industrial pelo maior volume de m.m (m.m. = matéria mineral (terra));
- Queima do bagaço nas caldeiras mais difícil, exigindo limpezas mais freqüentes das grelhas;
- Maior exigência dos sistemas de lavagem dos gases das caldeiras;
- Maior desgaste nas lâminas de picadores e desfibradores;
- Maior desgaste nos rolos das moendas exigindo-se aplicação do chapisco com mais freqüência;
- Possibilidades maiores de buchas e interrupções de moagem;
- Maior perda de açúcar no bagaço pelo efeito “esponja”;
- Maior custo operacional.
Para as Usinas que pretendem processar a maior quantidade de palhiço possível para a geração de energia elétrica, não há outro caminho a não ser a instalação de um sistema que separe o palhiço e a m.m. dos colmos industrializáveis na maior quantidade possível. O palhiço é enviado diretamente para a queima nas caldeiras (não passa pela moenda), e a m.m. separada retorna a lavoura.
Os sistemas atuais estão ainda em fase de aperfeiçoamento e vêm funcionando razoavelmente.
O processo completo se dá em 04 etapas:
Etapa 1 – separação palhiço + m.m x colmos:
A matéria prima trazida pelas caçambas, constituída de cana (colmos) + palhiço + m.m. é descarregada nas mesas alimentadoras através de tombadores laterais tipo hilo.
Grandes ventiladores (05 ou 06) insuflam ar atmosférico nesta no momento de queda das mesas na esteira. São obtidos dois produtos: cana (colmos) com certa quantidade de palhiço + m.m. que vai para a moenda e o palhiço + m.m, que vai até as peneiras separadoras – (fase 2);
Etapa 2 – separação palhiço x m.m:
O palhiço com a m.m. separada da cana vai até aos separadores (peneiras estáticas ou rotativas), onde a m.m. é separada do palhiço, constituindo o rejeito. O palhiço in natura obtido é enviado aos picadores (fase 3);
Etapa 3 – preparação do palhiço:
Não se pode enviar o palhiço diretamente para a queima nas fornalhas das caldeiras, pois sua baixa densidade não permite a alimentação direta nos fornos destas. Por isso, é necessário o preparo desta palha. Esta operação é feita em picadores de lâminas acionados por motores elétricos. Em seguida, o palhiço picado é enviado ao sistema de mistura através de correias transportadoras.
Etapa 4 – mistura palhiço x bagaço:
Também tem se mostrado mais eficiente a queima do palhiço em mistura com o bagaço. É necessário então um sistema de mistura palhiço x bagaço antes do envio aos fornos das caldeiras.
Não se deve utilizar água para a limpeza da cana e o sistema deve estar previsto para que a terra acumulada embaixo das mesas seja retirada por esteiras. Em nenhuma hipótese se usará água para a limpeza da cana e/ou da terra acumulada sob a mesa.
O sistemas atuais estão projetados para atender a matéria prima com até 100 kg de palhiço /TC em m.s., sendo que futuramente este valor deve aumentar para 120 kg.
Obs.: Algumas Usinas têm direcionado o último terno de moenda para receber o palhiço. Neste caso este terno não recebe água de embebição. O objetivo é picar e misturar o palhiço com o bagaço.
Vantagens:
- Elimina-se uma etapa custosa e de elevada manutenção, que é o sistema de picagem do palhiço;
- Elimina-se outra etapa que é a mistura do palhiço com o bagaço, pois a moenda executa esta tarefa.
Performance esperada do sistema:
- Eficiência da separação do palhiço ≥ 70% – isto quer dizer que no mínimo 70 kg de palhiço/ton de matéria prima serão separados e irão até a peneira/picador, enquanto 30% irão diretamente até a moenda, passando pelos picadores/desfibrador;
- Eficiência da separação da terra ≥ 50% – isto quer dizer que de cada 100 kg de m.m. que vem com a matéria prima, no mínimo 50 kg dever ser separado pelo sistema;
- Perdas do palhiço no sistema que são rejeitadas junto com a terra – máxima 5 a 8% sobre a quantidade inicial de palhiço.
m.m. = matéria mineral (terra)
m.s = matéria seca
Principais componentes do sistema:
- Esteiras com lençol de borracha para o palhiço;
- Esteiras com lençol de borracha para a m.m.;
- Ventiladores de grande capacidade – 04 a 05 com potência cada de 75 a 100 cv;
- Sistema de separação da terra do palhiço – peneiras estáticas ou rotativas;
- Picadores do palhiço com acionamento por motores elétricos;
- Moega para o recolhimento do rejeito com acionamento hidráulico, para enviar aos caminhões caçamba;
- Esteira para levar o palhiço picado até a esteira elevadora de bagaço;
- Misturador bagaço x palhiço;
- Estruturas metálicas;
- Sistema de lubrificação do redutor a óleo em circuito fechado com sistema de resfriamento por água – trocador água x óleo;
- Moto redutor de velocidade com sistema de lubrificação e sistema suave de partida do motor;
- Escadas a 40º, plataformas, guarda corpos. Não se aceitará escada tipo marinheiro;
- Sistema completo de segurança do sistema – comandos com intertravamento entre as esteiras;
- Sistema de segurança eletrônico de sobre temperatura dos mancais e óleo dos redutores dos picadores, completos com indicação local e remota;
- Sistemas completos dos acionamentos, painéis elétricos das esteiras, picadores e demais equipamentos elétricos instalados.
Obs.: Deve haver um conjunto em stand by instalado dos picadores do palhiço, para que seja feita a substituição das facas sem parar ou diminuir a capacidade do sistema.
6. Determinação do Palhiço + Colmos
Seja uma Usina que quer processar 500 TCH e produzir 1.000 m3 de etanol hidratado/dia (rendimento de 83,4 l/TC)
a. Colmos industrializáveis com as seguintes características:
- Quantidade = 500 t/h
- Fibra = 60 t/h (12,0%) – dos colmos
- Sólidos solúveis nos colmos = 167,5 kg/TC = 83,8 t/h
- Água = 356,2 t/h (71,2%)
b. Palhiço com as seguintes características:
- Quantidade = 60 t/h (104 kg/ ton matéria prima em m.u)
- Umidade = 35%
- Fibra = 39 t/h (65%)
- Água = 21 t/h (35%)
c. Matéria mineral = 18 t/h (3% – peso seco)
d. Total de Mat. Prima = 500 + 60 + 18 = 578 t/h
- Matéria prima trazida pelos caminhões e que é pesada = 578 t/h
- Matéria prima descarregada nas mesas alimentadoras de separação do palhiço e impurezas minerais = 578 t/h
- Separação da palhiço e m.m.= 42 t/h de palhiço e 9 t/h de m.m.
- Matéria prima que vai ao sistema de extração = 578 – (42 + 9) = 527 t/h
- Palhiço + m.m. que vai ao sistema de limpeza e preparo da palha = 42 + 9 = 51 t/h
- Perdas de palhiço = 2,1 t/h (5%) que vai junto com as m.m.
- M.m. separado no sistema de limpeza = 5 t/h (Ef. = 60%)
- Rejeito = 2,1 + 5 = 7,1 t/h (retorno a lavoura)
- Palhiço + m.m. (não separado no sistema de limpeza) e que vai para a queima nas caldeiras = (42 – 2,1) + 4 = 43,9 t/h
Conclusões:
Matéria prima a ser processada pela moenda = 527 t/h tendo:
- fibra = 71,7 t/h
- Água = 362,5 t/h
- M.m. = 9 t/h
- Sólidos = 83,8 t/h
Nestas condições o teor de fibra da cana inicial (colmos) que é de 12% passou a ser de 15,3%.
Isto explica porque as moendas, mesmo com o sistema de limpeza a seco têm grande dificuldade de moer a cana com palhiço.
7. Palhiço + Bagaço
A moenda irá processar 527 t/h. O bagaço terá a seguinte constituição:
- Fibra = 71,7 t/h
- Sólidos solúveis = 4,2 t/h
- M.m = 4 t/h (as outras 5 t/h sai com o caldo misto)
- Água = 79,9 t/h
- Bagaço = 159,8 t/h (umidade de 50%)
Bagaço para a queima nas caldeiras = 159,8 t/h
Palhiço para a queima direta nas Caldeiras = 46 t/h
8. Poder Calorífico – PCS e PCI
Bagaço seco:
- PCS – adotado como valor universal = 4.600 kcal/kg
- PCI – adotado a equação PCI = PCS – 600 x 9H/100 (Doat – 1977), onde:
. H = teor de hidrogênio (6 a 7%)
. PCI = 4.250 kcal/kg
Bagaço úmido:
Adotada a equação PCI = 4.250 – 12 s – 48,5 w (Manual da Engenharia Açucareira , E. Hugot, vol 2, pg. 957), onde:
. s = açúcar % bagaço
. w = umidade % bagaço
Admitindo um bagaço com 50% de umidade e teor de açúcar de 1,8%, o PCI é de:
PCI = 4.250 – 12 x 1,8 – 48,5 x 50 = 1.803 kcal/kg
Obs. – nos cálculos do PCI, não se esquecer de descontar a quantidade de m.m. que sai com o bagaço (varia de 2 a 5% do peso de bagaço).
Palhiço:
O teor de hidrogênio do palhiço é bem próximo do bagaço.
Assim o PCI do palhiço seco (0,0% um.) pode-se considerar semelhante ao do bagaço = 4.250 kg/kg.
Nestas condições o PCI do palhiço com 35% de umidade e teor de açúcar de 0,0 é de:
PCI = 4.250 – 12 x 0,0 – 48,5 x 35 = 2.550 kcal/kg (46% maior que o do bagaço a 50%).
9. Conclusões:
Fazendo um estudo comparativo na produção de vapor nas duas situações, com pressão de 67 bar e rendimento de 2,15 kg vapor/kg bagaço e 3,05 kg de vapor/ kg de palhiço, teremos:
a. Processamento da cana sem o palhiço – aproximação de processar somente os colmos:
Produção de vapor – queima do bagaço produzido dos colmos:
= 125 t/h de bagaço x 2,15 = 269 t/h.
b. Processamento da cana com o palhiço:
Produção de vapor processando a cana + palhiço:
- Vapor produzido do bagaço = (159,8 – 4) t/h de bagaço x 2,15 = 335 t/h
- Vapor produzido do palhiço = (42 – 2,1) t/h de palhiço x 3,05 = 122 t/h
Total = 457 t/h
Queimando o palhiço na quantidade preconizada, o incremento em termos de produção de vapor é de 188 t/h (70%).
Manoel de Almeida – Piracicaba Engenharia Sucroalcooleira