1. O que é o E2G?
É o etanol produzido a partir de materiais lignocelulósicos, que são os principais constituintes do bagaço de cana e do palhiço.
Os componentes lignocelulósicos da cana-de-açúcar são a celulose (CEL), a hemicelulose (HEM), também chamada de pentosana e a lignina (LIG).
Obs.: etanóis produzidos a partir da sacarose da cana e das matérias primas amiláceas como milho, sorgo granífero, etc, são considerados de 1ª geração e são designados como E1G.
2. Quais os componentes da cana que podem ser transformados em E2G?
O bagaço, que é o material obtido após a extração do caldo, e o palhiço da cana, que é constituído das folhas verdes, folhas secas e ponteiros da cana. As quantidades são:
Bagaço – em média 1,0 ton de cana produz 280 kg de bagaço com umidade de 50%. Dependendo de vários fatores, estes números podem variar de 220kg a 340 kg.
Palhiço – estudos no campo têm mostrado que em uma ton de cana pode haver de 170kg a 300 kg de palhiço. Atualmente, as Usinas que utilizam o palhiço em maiores quantidades para a cogeração recolhem e trazem para a indústria, a cada 1,0 ton de cana, mais 100 a 120 kg de palhiço.
Somente a CEL e a HEM podem ser transformadas em etanol. Da LIG não é possível produzir moléculas de açúcares e portanto produzir etanol por rotas fermentativas.
3. Qual é a composição do bagaço de cana?
Para o bagaço que deixa a moenda (“bagaço novo”) em 1,0 ton há aproximadamente: 200 kg de CEL, 126 kg de HEM, 100 kg de LIG, 18,5 kg de açúcares (AR), 500 kg de água e o restante em outros produtos (sais, proteínas, etc.).
4. Todo o bagaço e o palhiço são utilizados para fazer o E2G?
Não, a maior parte do bagaço é queimada na caldeira para geração de vapor. Somente o excedente do bagaço mais o palhiço são utilizados para a produção do E2G.
Em plantas novas que fossem projetadas para fabricar o E1G e o E2G, todo o bagaço e palhiço poderiam ser desviados para fabricar o E2G. A energia necessária para mover esta planta poderia ser obtida dos resíduos finais da hidrólise do material lignocelulósico que não foi transformado em etanol. Ainda não existem estudos que comprovem a viabilidade técnico-econômica desta condição.
5. Qual a técnica de produção do E2G?
Tanto a CEL como a HEM são constituídas de cadeias longas de moléculas de açúcares que quando “quebradas” liberam estes açúcares, processo conhecido como hidrólise. Destas moleculares de açúcares é possível se fabricar etanol.
Inicialmente é necessário que o bagaço seja submetido a um pré-tratamento, em seguida as cadeias moleculares da CEL e HEM são “quebradas” pela ação de ácidos, enzimas ou processos mistos, liberando os açúcares. A rota atual preferida para a hidrólise tem sido a enzimática. As enzimas não são produzidas na Usina, sendo adquiridas de empresas especializadas.
Os açúcares obtidos são transformados em etanol nos processos fermentativos e a solução final contendo basicamente água e etanol é enviada aos aparelhos de destilação que irão separar a fração etanol da água.
Na atual tecnologia, somente a CEL que é constituída por moléculas de glicose, pode ser convertida em etanol nos processos fermentativos.
Os açúcares da HEM constituídos basicamente de moléculas de xilose e arabinose (conhecidos como pentose), não são convertidos em etanol pela levedura saccharomyces cerevisiae. Está em fase de pesquisas a utilização de microrganismos que possam converter eficientemente estes açúcares em etanol.
A LIG e outros resíduos da hidrólise são separados e queimados nas caldeiras para produção de vapor.
Obs.: há informações de que uma Fábrica no Nordeste, tem utilizado também a HEM para a produção do E2G, mas os resultados ainda não são conclusivos.
6. Potencial de Produção: Quais os rendimentos possíveis de se atingir para o E2G?
6.1. Bagaço – com uma constituição conforme descrita acima, o valor máximo (estequiométrico) de transformação da CEL e AR em etanol hidratado é de 163,1 L de EH2G/t de bagaço.
A Taxa de Conversão (TC) das moléculas da CEL em açúcares, desde o pré tratamento até o final da hidrólise, estão na faixa de 60 a 70%.
Admitindo-se a TC em 67% e da fermentação/destilação em 89,5%, a conversão total da CEL em etanol é de aproximadamente 60%. Desta maneira, com uma ton de bagaço podemos produzir 101,5 L de etanol hidratado (EH2G) a partir da CEL + AR.
6.2. Palhiço – tem sua constituição semelhante ao bagaço com um teor de umidade de 35 a 50%. Admitindo umidade de 35%, o valor máximo (estequiométrico) a se obter em 1,0 t de palhiço é de 203 L de EH2G.
Admitindo a TC total de 60% para a conversão da CEL em etanol, o valor prático é de 122 L de EH2G/t de palhiço.
7. Quanto uma Destilaria Autônoma existente aumentará sua produção, se vier a produzir também o E2G?
Depende do bagaço que irá sobrar e do máximo de palhiço que processar. A sobra de bagaço depende do vapor que consumir para fabricar o E1G e da eficiência da caldeira.
Uma boa destilaria, com um bom balanço térmico, produzindo etanol hidratado utilizando as técnicas convencionais de destilação, necessita cerca de 350 kg vapor/TC. Com uma boa caldeira o consumo de bagaço necessário para produzir este vapor é de 152 kg/TC, sobra então de bagaço 128 kg. Consumindo mais 6,0 kg para atender as partidas e liquidações, a sobra real é de 122,0 kg. Com este bagaço pode-se produzir mais 12,4 L de EH2G/TC.
Processando mais 120 kg de palhiço (35% um.) produz mais 14,6 L de EH2G.
Total = 12,4 + 14,6 = 27,0 L de EH2G/TC.
Se esta destilaria tem um rendimento de 85 L de EH1G/TC a soma dos dois produtos será de 85,0 + 27,0 = 112,0 L de EH (EH1G + EH2G)/TC, acréscimo de 32%.
8. E o Balanço Térmico desta Destilaria, como ficará?
Veja que no exemplo acima não consideramos o acréscimo de energia elétrica e térmica para produzir o EH2G.
Será necessário para fabricar o EH2G mais 1,5 kg de vapor/L de EH2G no pré tratamento da hidrólise e mais 2,6 kg vapor/L de EH2G na destilação.
Este vapor, se fosse produzido com o bagaço, demandaria mais 50 a 55 kg de bagaço, reduzindo a produção do EH2G.
9. Este vapor adicional pode ser produzido com os resíduos finais da hidrólise?
Sim. A hidrólise gera um resíduo conhecido como ”licor” ou “lixívia” que é produzido com 16 a 20% de sólidos. Para ser queimado na caldeira, deve ser concentrado a 60/65%. Constituído da LIG e outros resíduos da hidrólise, a lixivia quando concentrada tem alto poder calorífico. Teoricamente a quantidade de lixivia produzida é suficiente para gerar o vapor necessário para a sua concentração, para o pré tratamento e para a destilação, mas não há ainda parâmetros práticos que comprovem a viabilidade deste balanço.
10. E se esta Destilaria cogera?
A fabricação do E2G integrada com a cogeração, pode ser viável, desde que se processe o palhiço em altas quantidades (>100 a 120 kg/TC) e aproveite os resíduos da hidrólise para a geração de vapor. O vapor de escape do turbo gerador atenderá as duas fabricas E1G e E2G, havendo sobra de energia para a cogeração. Mas estas situações precisam ser cuidadosamente estudadas.
11. Em uma Usina que produz Açúcar e E1G quanto se pode produzir de E2G?
Mesmo com um bom balanço térmico e caldeiras de alto rendimento, a produção do E2G em Usinas de Açúcar somente com o excedente de seu bagaço, não tem viabilidade.
Se processar o palhiço as condições podem ser atrativas. Vejamos um exemplo:
Seja uma Usina que esmaga 15.000 TCD (625 TCH), produz 25.000 scs/d de açúcar e 450 m³/d de EH1G. Com uma produção de bagaço de 175 t/h e um consumo de vapor de 265 t/h (excelente), consome 118 t/h de bagaço. Considerando mais 6 t/h para as partidas e liquidações, sobra 51 t/h. Com este excedente de bagaço faz mais 5,18 m³/h de EH2G (124,0 m³/d).
Para cada ton de cana recolhe mais 120 kg de palhiço, então processa 75,0 t/h de palhiço. Com este se produz mais 9,2 m³/h de EH2G (220,0 m³/d). Conclusão:
Bagaço + palhiço – produção total EH (EH1Gcana + EH2Gbag. + E2Gpalh.) = 450 + 124 + 220 = 794 m³/d – acréscimo de 76% na produção do etanol.
Obs.: consideramos a queima na caldeira dos resíduos da hidrólise para gerar o vapor necessário para atender a produção do E2G.
12. O custo de fabricar o E2G é menor que fabricar o E1G em uma planta já existente?
Tem que calcular considerando a planta de E1G fornecendo o bagaço excedente, o palhiço e os insumos à planta de E2G (vapor, energia elétrica, etc.).
Se considerarmos que com uma ton de bagaço + palhiço obtivermos um rendimento médio a partir da CEL de 110,0 L de EH2G/ton, estes serem adquiridos da planta de E1G a R$80,00/ton e o EH ser comercializado a R$1,35, então sobra 110 x 1,35 – 80 = R$68,50/ton cana para o custo de fabricação do EH2G e receita líquida.
A princípio, este valor é interessante e aparenta ser menor que o custo de fabricar o E1G, mas necessita ser determinado com critérios, pois atualmente não se tem os custos reais de se fabricar o E2G.
Obs.: se considerarmos a fabricação do EH2G também da HEM, a produção pode ser aumentada em mais 70 a 85 L/ton de bagaço ou palhiço. Neste caso a fabricação do EH2G pode ser totalmente viável.
13. O processo de fabricação do E2G gera efluentes?
Gera dois resíduos principais que se descartados são considerados efluentes: a vinhaça que é o resíduo final da destilação e a lixivia que é o resíduo final do pré tratamento e da hidrólise. Este, depois de concentrado, deve ser queimado na caldeira devido principalmente ao seu alto poder calorífico e impossibilidade de ser descartado por seu elevado potencial poluidor.
Devido ao alto consumo de água para “diluir” o bagaço, a concentração destes resíduos é necessária, pois estes condensados é que serão reciclados para atender a hidrólise.
Assim surgem outros desafios: Desenvolver projetos de novas caldeiras que queimem estes resíduos eficientemente. Outra alternativa que pode vir a ser viável: a produção de biogás com estes resíduos.
14. Situação atual. Quais os desafios a vencer?
Situação atual: as técnicas de produção do E2G estão em fase de consolidação. Assim concluímos:
– Sem a utilização do palhiço a produção do E2G não tem viabilidade.
– Surge outra questão: nos preços atuais do etanol, será que vale a pena recolher e transportar todo este palhiço até a usina para produzir o E2G?
– As condições ficarão atraentes, quando também os açúcares da HEM puderem ser convertidos em etanol.
Desafios a vencer:
a. Desenvolver microrganismos eficientes para converter os açúcares das pentoses em etanol o que dará um acréscimo na produção de mais 70 a 85 L de EH2G/ton de bagaço/palhiço;
b. Aprimorar os processos para que a Taxa de Conversão da CEL e HEM em açúcares aumente para 75 a 90%;
c. Desenvolver projetos de plantas que integrem todo o sistema de produção e utilização dos resíduos produzidos, com a total recuperação do potencial energético destes, na geração de vapor/energia elétrica.
Nestas condições pode ser viável, a produção simultânea do E2G e cogeração, mas terá um custo elevado de investimentos.
15. Como serão as Usinas num futuro próximo considerando-se a fabricação do E2G?
Vencendo os desafios acima, novos modelos de Usina devem surgir:
1. Usinas deverão ter um excelente balanço térmico, isto é serem eficientes energeticamente. Usinas localizadas em regiões onde o bagaço tem alto valor já vêm aprimorando seu balanço térmico;
2. Caldeiras antigas de baixa pressão serão substituídas por unidades de alto rendimento com altas pressões e temperatura do vapor, situação que também já vem ocorrendo;
3. Usinas terão que recolher todo o palhiço possível mantendo o mínimo necessário no campo. O palhiço mais o bagaço passam a ter alto valor comercial. Usinas que não produzirem o E2G e/ou cogeração, só terão altas receitas se forem bem eficientes energeticamente, para que tenham a maior sobra possível dos “resíduos” da cana (bagaço + palhiço) para a comercialização.
Para estas Usinas, o bagaço e o palhiço passam a ser a fonte de renda que pode viabilizar a atividade;
4. Torna-se interessante o plantio de cana com altos teores de fibra, isto é cana com muito palhiço. Institutos de pesquisa no Brasil já trabalham para produzir variedades de cana com esta característica;
5. Usinas antigas com tecnologias ultrapassadas e com lay out sem espaços adequados, instaladas em regiões de baixo potencial agrícola, serão desativadas, situação que já vem ocorrendo.
Se estiverem instaladas em locais de bom potencial agrícola deverão ser totalmente remodeladas dentro das novas tecnologias, praticamente se construindo uma nova unidade;
6. Plantas novas devem ser projetadas com as melhores tecnologias existentes e com um layout prevendo as diversas situações:
– Deverão ser projetadas para processar altas quantidades de palhiço;
Projetadas para produzir diversos produtos: E1G, E2G, energia elétrica p/ comercialização (cogeração), açúcar e outros oriundos da cana;
– Também passa a ser interessante a produção do etanol de milho e sorgo, em Usinas localizadas em regiões onde estes cereais têm preços baixos, pois será possível produzir o vapor e energia com os “resíduos” da cana, barateando a produção do etanol destes cereais.
– Nestes locais, até com os resíduos agrícolas destes cereais, será possível se viabilizar a fabricação do E2G. Estas plantas futuras devem receber o sugestivo nome de BIORREFINARIAS.
Manoel Almeida