Teoria:
A Floculação ocorre nas fermentações a séculos, desde que o homem começou a dominar essa técnica. Por que, mesmo depois te tanto tempo, esse problema ainda não foi solucionado? O problema é bastante complexo.
A floculação de leveduras nas usinas e destilarias é sem dúvida a principal dificuldade que as indústrias tem ao conduzir a fermentação, pois ela se agrava de tal maneira que, em ocasiões excepcionais, pode simplesmente parar todo o processo. É necessário literalmente parar todo o processo, liquidar, efetuar uma limpeza completa e começar novamente. Embora a parada total do processo não seja algo comum, em toda safra nossa equipe de engenharia ouve relatos de duas ou três Usinas onde isto aconteceu.
A contaminação em fermentações nem sempre causa floculação. Quando ela ocorre, aparentemente está tudo bem, a fermentação segue funcionando sem dificuldades, porém o rendimento da usina fica baixo, e a equipe da usina não consegue identificar os motivos, “quebrando a cabeça” para encontrar uma solução.
Quando a usina faz muito álcool, o problema se torna grave, pois neste caso a fermentação é responsável por mais da metade do processamento do caldo, e portanto do açúcar que entra na usina.
Causas principais da Floculação:
· Leveduras floculantes na fermentação, que vêm com a cana (ou podem ser trazidas de outras formas) e que se multiplicam durante o processo ;
· Bactérias presentes na fermentação, principalmente as do gênero lacto;
· Presença de dextrana.
Principais agentes que potencializam a floculação:
· Presença em quantidades elevadas dos íons Ca;
· pH elevado do fermento diluído ≥ 3,0/3,5;
· Baixo teor alcoólico no vinho;
· Alta temperatura da fermentação ≥ 35ºC – na minha experiência nas Usinas é o maior problema. Veja que esta situação quase sempre acontece em plantas que têm deficiência no resfriamento de água.
Não vou entrar aqui em maiores detalhes teóricos. Recomendo consultar trabalhos técnicos sobre este assunto. Existe um do professor Pedro Oliva da Unesp. O professor Silvio Andrietta também tem estudado bem este assunto.
Em resumo: primeiro ataque a causa, pois é bem mais difícil ou até impossível resolver o problema depois que ele apareceu.
Prática:
Vamos à prática que é o que realmente interessa.
Fermentação ótima significa meio limpo, isto é, isento de agentes contaminantes. Podemos, na prática, chegar próximo destas condições ideais. Não é tão simples mas aí está o segredo, se é que existe segredo, de se ter uma boa fermentação.
Quando a contaminação não atinge proporções maiores, se controla com antibióticos, mas quando se dissemina completamente, não tem mais outra saída. É necessário começar tudo de novo, não sem antes realizar uma limpeza geral.
As causas normalmente não acontecem isoladas, havendo sempre há o efeito cascata. Uma traz outra, que traz outra, que traz outra e assim os efeitos negativos se multiplicam.
· Cana deteriorada – não é culpa da Indústria – é preciso ter um bom tratamento do caldo, principalmente no que diz respeito a aquecedores. Com a cana picada este problema foi minimizado, mas ainda existem muitas usinas que colhem cana inteira que fica no campo por diversos dias;
· Moenda sem assepsia – aumento da contaminação na própria moenda. Muitos pensam da seguinte maneira: não se preocupe com a limpeza das moendas pois o tratamento do caldo faz o serviço de “matar” as contaminações. Ledo engano: tratamento do caldo não elimina todas as bactérias;
· Aquecimento do caldo em temperatura baixa – aquecer o caldo em temperaturas inferiores a 100ºC simplesmente não adianta. Cana deteriorada precisa ser aquecida a 110/112ºC. Se a Usina concentra o caldo para a destilaria em um pré, ótimo, pois o caldo vai a 118ºC. Mesmo assim não se elimina todas as bactérias – sabe-se que esporos têm alta resistência a temperatura, pH, etc.;
· Tempo elevado do caldo no decantador – mais que 2,0 horas já é preocupante;
· Tempo em demasia do caldo clarificado até a fermentação – pode apresentar contaminação nas peneiras de caldo clarificado, no tanque de caldo e na tubulação longa demais e com diâmetro inadequado até a fermentação. Isto sem falar em pontos mortos em bombas e outros locais;
· Regeneradores mal dimensionados e instalados inadequadamente. Baixa velocidade do caldo nas placas. Percebe-se quando abrimos o trocador para limpeza pela quantidade de canjica que aparece. Como não se abre mais os trocadores, pois se usa limpeza CIP, este problema não é detectado. Mesmo com análises bacteriológicas de contaminação antes e depois do trocador, o problema pode não ser detectado;
· Resfriadores de caldo – O mesmo se pode dizer dos resfriadores de caldo – aqui tem mais um agravante – se não temos temperatura e quantidade de água necessária, o problema é ainda mais acentuado, isto sem falar de um resfriador mal dimensionado;
· Usinas de Açúcar – nos tanques de armazenamento de xarope e mel a contaminação é expressiva. Depois que ela ocorre nesses locais, ela se propaga e não “morre” com o cozimento, que não passa de 60/65ºC. Vai portanto para o mel final;
· Mel final – nas nossas visitas nas Usinas, detectamos aqui um dos principais focos de infecção. Ela começa nos tanques de mel após as centrífugas, muitas vezes em caixas quadradas, sem possibilidade de limpeza . O mel final vai para a diluição com água ou caldo já em condições a 107 ou mais;
· Retorno da água doce do lavador de gases do secador – aqui temos um foco terrível de infecção, principalmente se for lavador Belfano ou outro que recircula para fazer a exaustão dos gases. É preciso retornar antes do tratamento do caldo;
· Retorno dos separadores de arraste dos vácuos – existem usinas que colocam estes retornos em um selo no piso intermediário ou no piso 0,0 e depois enviam para o tanque de caldo clarificado. É preciso retornar antes do tratamento do caldo;
· Fermentação: o conhecimento sobre os processos fermentativos avançou muito. Hoje os procedimentos vêm sendo dominados pelos técnicos responsáveis, que orientam e treinam os operadores. Dessa forma, as fermentações vêm sendo bem conduzida nas Usinas e Destilarias.
O que temos notado é que normalmente não são as operações que causam os problemas, e sim instalações inadequadas. Frequentemente a culpa recai sobre os operadores, que não são os verdadeiros culpados.
Vejamos os problemas:
– Torres ou tanque spray que não conseguem resfriar a água na temperatura necessária, pois têm capacidade inadequada – mais que 30ºC na água que vai resfriar as dornas e caldo e o problema de contaminação não demora para aparecer;
– Resfriadores e bombas mal dimensionados – mesmo com boa temperatura da água de resfriamento, o vinho recircula quente. Mais que 34ºC e ocorrerão problemas;
– Dornas que não são limpas adequadamente durante as operações, pois não possuem instalações adequadas para tal. Quando são dornas que possuem fundo sem inclinação, ou com pouca inclinação, o problema se torna ainda mais grave. Inclui-se aqui a limpeza dos trocadores de calor a placas, outro foco de contaminação;
– Fermentação pequena. Isso ocorre quando a Usina vai aumentando a moagem e/ou resolve fabricar mais álcool, porém sem instalar equipamentos adicionais. Nesse caso o operador é obrigado a acelerar o processo, alimentando as dornas muito rápido. Como elas não resfriam bem, aparece o problema;
– Centrifugação do vinho: Embora as usinas conheçam bem essa operação, podem negligenciá-la quando tudo está ocorrendo bem. Principalmente são essas as causas: deficiência na quantidade de máquinas, bicos desgastados, limpeza mal executada, operadores desmotivados, etc., tudo isto causa perdas elevadas de fermento no vinho e altas taxas de reciclo com retorno considerável de contaminação no próprio fermento. Neste setor é fácil de detectar as deficiências. Se isto está acontecendo na sua usina, então nos outros locais a situação deve estar bem pior.
– Mosto diluído demais, reduzindo o teor alcoólico do vinho. Sabemos que o álcool inibe a atividade metabólica das bactérias e leveduras selvagens. Porque não trabalhar com vinho a 9,0 a 10,0o GL? A dificuldade é que para isto é necessária uma fermentação adequada para atender esta condição;
– Diluição do fermento com água de lagoa ou rio. Situação perigosa. Hoje se analisa a água e está bem, mas em outro momento pode estar com elevado grau de contaminação;
– Arrastes de espuma na coluna do lavador de gases. Espuma contém açúcares que vão fermentar e contaminar a água. Até algum tempo, esta água retornava na volante e não haviam problemas. Para melhorar o balanço térmico e reduzir consumo de água, as usinas passaram a utilizar esta água para a diluição do fermento e aí o problema aparece e os técnicos, muitas vezes, não percebem;
– Pontos mortos nas tubulações: nossa equipe dá muita importância a este agente de contaminação: passamos uma safra “sofrendo” com uma fermentação contínua em uma usina da região de Ribeirão Preto. Bem dimensionada, só funcionava a custa de gastos elevados de antibióticos. Isto sem falar do alto consumo de H2SO4. Na safra seguinte resolvemos retirar todo e qualquer ponto morto das tubulações de mosto, fermento e das próprias dornas, sem exceção. Em vários locais foi necessária a instalação de duas válvulas e um dreno entre elas. Na safra seguinte funcionou bem. Na nossa análise, os pontos mortos é que estavam prejudicando esta fermentação.
– Instrumentação: com a entrada da instrumentação nas usinas, a situação operacional melhorou muito em certos aspectos, mas pode ter piorado em outros, pois grande parte do trabalho de campo (a maioria) ainda é feito pelos operadores e auxiliares. É engano pensar que lá do COI, o operador tem conhecimento de tudo e é capaz de sanar qualquer problema simplesmente apertando o botão do mouse. Cabe aos encarregados acompanhar continuamente o trabalho dos operadores. Não adianta o encarregado ficar só no COI, crente que está ciente de tudo o que ocorre;
– Controles de Processo – Tem funcionado bem nas usinas, com os resultados obtidos pelo laboratório fornecidos rapidamente e com credibilidade. Muitas usinas vêm direcionando o próprio líder do laboratório para acompanhar o tratamento do caldo do processo álcool e da fermentação, normalmente um químico ou química que desenvolve os procedimentos e as dosagens dos insumos e acompanha com determinação o processo.
– Paradas da usina: você já percebeu que usinas que param com frequência, por pequenos problemas como buchas de cana ou bagaço, quebras, “enchimento” da fábrica, queda de vapor, etc, são as que têm os piores rendimentos? Você também acha que durante estas paradas que podem levar 1,0 hora ou mais, os ”bichinhos” ficam quietinhos esperando a usina voltar a funcionar?.
Nossa equipe já mediu algumas vezes: dependendo da temperatura ambiente, em uma tubulação exposta de aço carbono, em uma hora a temperatura do caldo clarificado decresce em 20ºC. Imagine caldo misto, tratado, filtrado, lodo, mosto, mel final, etc. nos tanques, em tubulações, dentro de bombas e em outros locais. Nestas paradas a usina imagina que o problema vai ser solucionado rapidamente e não liquida nada. Quem sofre é a fermentação. Normalmente não causa danos graves, desde que os responsáveis dobrem a vigilância e não queiram economizar em biocidas, bactericidas, antibióticos, etc.
– Ambiente de Trabalho: raramente se dá importância a este aspecto. Frequentemente observamos condições impróprias para os operadores, o que fatalmente resulta em problemas de. Seguem dois exemplos: Nossa equipe esteve em uma sala de centrífugas de fermento em uma usina onde a cobertura estava a 5,0 m de altura do piso e não havia nenhuma proteção lateral. Imagine essa condição à 01 hora da madrugada, com vento frio e uma garoa fina caindo, sem ter onde o operador se abrigar. Dessa maneira como pode funcionar bem?
Mais um exemplo: em uma considerada boa usina, os filtros, clarificadores e aquecedores, todos instalados juntos a 11,0 m de altura, com facilidade de operação, aparentemente um cenário ótimo. Porém, não havia nenhum abrigo aos dois operadores deste setor. Como fica de madrugada, muitas vezes com chuva? Para complicar ainda mais, três acessos: um à rosca misturadora de lodo x bagacinho, outro às caixas de caldo dos clarificadores e outro de acesso as peneiras de caldo clarificado eram por escadas marinheiro e ainda sem proteção.
Resumo final
Quer ter uma boa fermentação, de alta eficiência, com um mínimo gasto de insumos? É essencial seguir essas regras:
1. Dimensione adequadamente os seus equipamentos. Se necessário, busque auxilio de terceiros;
2. Procure mantê-la limpa, sem contaminação, eliminando todos os pontos onde essas contaminações podem ocorrer;
3. Treine os seus operadores e lhes dê boas condições de trabalho.
Manoel de Almeida